segunda-feira, 3 de junho de 2013

ENTREVISTAS

A violência urbana é pop na TV cearense 

Apresentador do “Barra Pesada” fala sobre sua trajetória, a crescente criminalidade que aumenta a audiência dos programas policiais e a influência dessas atrações televisivas na sociedade 

Nonato Albuquerque: “Enquanto houver ganância pelo Ter e não a busca pelo Ser, iremos conviver com essa animosidade que estarrece”
 

Na mesma proporção do aumento da violência no Ceará, cresce o número de programas jornalísticos da TV que realizam a cobertura policial, registrando e noticiando, às vezes em horários inoportunos, os crimes mais estarrecedores. Além de aguentarmos nos noticiários tradicionais o cotidiano de nossa dura realidade, repleta de casos assustadores, estamos acostumados a ver uma “riqueza” de detalhes nos programas locais dedicados ao gênero, que se multiplicam e às vezes banalizam a crescente criminalidade do estado com matérias esdrúxulas, de brigas de família e outras confusões, batidas policiais que mais parecem montagens de filmes de ação, além da exploração da miséria humana.
 

> Em busca de audiência, repórter Águia Dourada, da TV Cidade, faz reportagens até sem roupa!

Na TV Cidade assistimos na hora do almoço as aventuras do repórter Águia Dourada no “Cidade 190”, que além de registrar os mais variados crimes, vai para a periferia acompanhar bailes funk e outros “acontecimentos”. O programa ainda faz sorteio de prêmios. A mesma emissora estreou há pouco tempo a versão local do “Cidade Alerta”, a noite, com o jornalista Roberto Cesar, que trabalha há 13 anos na cobertura policial, e conversou com o DIVIRTA-CE sobre o assunto. “Há 10 anos atrás não se via crackeiros nas ruas. A violência está ligada a droga. A segurança que a polícia faz é de repressão, e não é só com a polícia que essa criminalidade irá acabar. A questão é social, é necessário educação”, afirmou. 

> Roberto César comanda o novo "Cidade Alerta - Ceará"

“O jornalista policial é diferenciado, e às vezes as universidades não preparam todos para essa realidade. Na maioria das matérias nós narramos os fatos acontecendo na hora, não editamos”, explica Roberto, que também comentou sobre a dificuldade dos profissionais. “Tem jornalista que trabalhou 20 anos com cobertura policial e teve que parar por causa de problemas psicológicos, manias de perseguição”, relatou Roberto César.
 
A TV Diário é a emissora que mais exibe programas policiais: começa pela manhã com o “Rota 22”, às 12h10 exibe o “Comando 22”, com o deputado Ferreira Aragão, seguido pelo “Vira e Mexe” com outro deputado, Edson Silva. Às 17h30 a TV Diário exibe “Os Malas e a Lei”, que tenta passar os crimes do dia com bonecos e um jeito bem humorado de mais um deputado (!): Ely Aguiar. A “brincadeira” com a violência urbana é transmitida no próprio programa de humor da emissora, o “Nas Garras da Patrulha”, onde bonecos mostram que ir para a cadeia ou falar com o delegado após cometer um crime pode render boas piadas. No mesmo canal ainda é exibido os semanais “Justiça para todos” e “Realidade 24 horas”.
 

> Ely Aguiar é um dos "deputados-apresentadores" da TV Diário

Nem a nova NordesTV, que retransmite a programa do SBT no Ceará, se rendeu ao gênero policialesco, com “Olho no Olho”, apresentado pela jornalista Katiúzia Rios, às 19h20. Não são todas as emissoras abertas do Ceará que exibem programas policiais: Verdes Mares, TV União e a estatal TV Ceará não produzem nenhuma atração do gênero.
Na TV Jangadeiro, o jornalista Nonato Albuquerque comanda há quase duas décadas o “Barra Pesada”, o mais antigo programa policial no ar na TV cearense, das 11h50 às 13h50. O sucesso comercial e principalmente, de audiência, desse tipo de conteúdo sempre rende novidades na programação, como a versão do horário nobre “Chame o Barra”, que acabou de estrear e é exibido diariamente, às 20h30, com o mesmo Nonato Albuquerque, que respondeu algumas perguntas do DIVIRTA-CE sobre sua trajetória e a repercussão que os programas policiais produzem na nossa realidade violenta.

______________________________________________________


 

DIVIRTA-CE- Há quanto tempo você trabalha apresentando programa policial e como é suportar o dia a dia mostrando essa violência absurda que assola nosso estado?
NONATO ALBUQUERQUE -
Estou fechando a segunda década. Curioso é que, depois de ter trabalhado no impresso – em editorias de Cidade, Comportamento -, nunca admiti ir para a TV fazer programa policial. Tancredo Carvalho, que superintendia a TV Jangadeiro e secretariava O Povo, me convidou e eu recusei por várias vezes. Até que uma amiga psicóloga, que atua nas lides espíritas, anunciou que eu seria convidado a fazer um programa na TV. Pouco tempo depois, fui convidado pelo coronel Ronald (hoje da TV Assembleia) a comandar um programa na TV Cidade, ao lado de nomes como Dilson Pinheiro, Miguel Macedo e outros – mas que não logrou êxito. Telefonei à amiga e ela me disse que o programa seria na área de segurança, pois que o mundo passaria por uma grande provação nesse setor com o aumento da violência. Eu relutei a aceitar, mas foram expostos argumentos que acabaram modificando a minha ideia inicial.
 
 
DIVIRTA-CE - Do tempo que você começou, até agora, como você vê o aumento nos níveis de criminalidade e o que mudou nas coberturas desses fatos nos programas de TV do gênero?
NONATO ALBUQUERQUE -
Quando entramos, com ajuda de profissionais como Chagas Vieira e o próprio Tancredo, alteramos quadros que não se coadunavam com a filosofia do nosso trabalho, nem da empresa. O quadro “Inocentes', feito pela Marilena Lima, foi excluído por ferir princípios da própria dignidade humana. E foi adequada a prestação de serviços como uma das colunas fortes do programa.

DIVIRTA-CE - Você acha que os horários que são exibidos os programas policias na TV cearense, e a certa "euforia" com que são passadas as notícias, algumas chocantes, influenciam de alguma forma a violência em nossa cidade?
NONATO ALBUQUERQUE -
Essa é uma discussão tão antiga quanto a de que a leitura de livros traria malefícios à formação de jovens (vide Crime do Padre Amaro), de que os filmes de 'bang bang' influenciariam a mente das pessoas. A “euforia” de que você fala é algo inerente a repórter que não tem formação universitária – ou mesmo tendo não apreendeu as lições por completo. Jornalismo feito com esse viés sensacionalista não prospera. Veja o caso do Mão Branca, protótipo dos telepoliciais cearenses. Agora se você usa o mecanismo dos registros policiais para ancorar mensagens acerca do que é errado no comportamento social, você pode influenciar positivamente a audiência.

 
DIVIRTA-CE- Nesses anos de trabalho, qual a matéria que mais te comoveu, ou foi mais difícil passar para o telespectador?
NONATO ALBUQUERQUE -
Foram muitas, mas a que se relaciona a prestação de serviços sempre reserva uma forte carga emotiva e deixa em nós alguma marca. Nesse ponto, destaca-se os trabalhos de repórteres como Emanuela Braga, Abrão Ramos, Nilson Bezerra que lidam com o lado humanístico das pessoas e sabem extrair delas os melhores sentimentos.

DIVIRTA-CE - Existe algum critério ou limite na produção do seu programa, na hora de mostrar casos chocantes, que abalam a opinião pública, ou quanto mais chocante, mais audiência?
NONATO ALBUQUERQUE -
A TV Jangadeiro preserva-se de mostrar imagens chocantes, sempre congela ou distorce imagens – já que o interesse do programa não é chocar pelo visual, mas pela mensagem.

DIVIRTA-CE - Você ou algum amigo já sofreu algum assalto nesses últimos tempos? Para você, como cidadão, qual seria a solução para o fim dessa onda de violência e criminalidade?
NONATO ALBUQUERQUE -
Já tive um carro roubado, mas eu mesmo o recuperei depois. Um dispositivo de segurança que permitia o corte de energia do veículo, fez com que a força dele morresse a dois quarteirões do local e os ladrões sairam na carreira. Quanto a solução para o fim dessa onda de violência e criminalidade não é apenas questão de Polícia. Quando educarmos as gerações novas a uma nova postura de vida, onde adultos sejam modelos e exemplos e não demonstrem sua animalidade (racional), alcançaremos o desiderato de uma paz social. A Terra, posso lhe garantir, passa por um momento de provação, uma espécie de higienização para que o nível atual das pessoas alcance uma evolução. Saiamos de planeta de provas e expiações para adentrar num mundo de regeneração. Até lá, é preciso o esforço da família, das religiões e de cada um de nós. Se buscarmos ser justos, responsáveis e compassivos, o mundo será melhor. Enquanto houver ganância pelo Ter e não a busca pelo Ser, iremos conviver com essa animosidade que estarrece. Mas tudo é passageiro. 

Nenhum comentário: